sábado, 30 de outubro de 2010

O grito

E que o grito

não seja muito alto

para não acordar os anjos

que ainda dormem.


E não se ouvia o chilrear dos pássaros

e nem o canto dos insetos,

e o mundo inteiro foi tomado

por uma síncope de palavras,

e não sabiam que aquele

foi o maior de todos os protestos.


...e até parece

que em fila,

vamos todos

nos suicidar!


A verdadeira poesia

não mais está

nas mãos dos poetas,

mas nas mãos de cada criança.


São minhas lágrimas

que esfriam

cada vez mais

o sol que tenho

no coração,

tanto que meus lábios

já nem sorriem mais

e meu rosto,

pouco a pouco,

toma uma expressão vaga...

meus passos,

cada vez mais lentos,

me levam a lugar algum;

e do sol, agora,

resta apenas

uma réstia de luz.

domingo, 3 de outubro de 2010

"Bye bye" Ana Laura, Ana Laura "bye bye"

É engraçado como alguns fatos ficam tão bem gravados em nossa mente. Eu ainda lembro-me bem da Ana Laura; aqueles olhos negros, tão calmos e agitados – com certeza eram eles que a transformara numa espécie de ninfa -; seus cabelos encaracolados, tão negros quanto os olhos, seus grossos lábios vermelhos assemelhavam-se a cor de uma maçã, possuía um sorriso lindo que me fascinava, era um sorriso curto, leve, que mal se podia notar, tinha uma pele quase branca, meio rosada – ela era linda.

Namorava um tal de Júlio, sujeito ciumento, parecia querer puxá-la por uma coleira, mas ela prezava muito sua liberdade, uns dos motivos de suas freqüentes brigas. Confesso que eu e outros garotos amávamos quando isso acontecia, pois partíamos feito gaviões para cima dela, mas infelizmente ela amava-o demais.

Mas vamos ao que interessa, o fato era que – como já disse -, Júlio era muito ciumento e vivia implicando com o fato de Ana Laura ter um admirador secreto, que para ele não era tão secreto assim. Certa vez ele a ouvira comentando com as amigas sobre o admirador, quase foi à loucura , queria, se pudesse, esgana-la, acusou-a de traição; afinal, ele nunca acreditou muito nesse admirador. Era o cúmulo. A única coisa que se passava em sua cabeça era que não poderia tornar-se um “corno”, não, não ele.

Desta vez quase terminaram, ela nunca o havia traído, e aquela acusações a feriram muito; mas como sempre ele acabou arrependendo-se e ela perdoando-o. Nós achávamos isso um absurdo, ma ela nunca ouvia nenhum de seus amigos.

Numa manhã de agosto, Júlio recebeu um pequeno papel um tanto amassado, deixaram-no junto com as cartas, era mais ou menos assim:

“Ela será minha,

inteiramente minha...

Isso é apenas

um aviso J.C.”

A carta não tinha remetente, aquilo foi-lhe com um golpe, resolveu ir caminhar, nem ao menos passou por sua cabeça que aquele bilhete poderia ter sido direcionado ao irmão mais novo, João Carlos, que disputava a posse de uma bola com o amigo, era “ela” seu maior tesouro.

Naquele mesmo dia, chamara Ana Laura para ir à uma cachoeira que havia em nosso bairro, estava calmo, não parecia nada com o Júlio que me causava calafrios, o mesmo que a algumas horas havia saído de casa com os olhos cheios de sangue.

Ana Laura não queria muito ir, mas a tarde fresca, o sol preguiçoso e a chuva de flores de ypê, acabou por convencê-la. Iam de mãos dadas, eram dois adolescentes a sorrirem e correrem pelo arvoredo. Na mochila de Júlio algo refletia a luz do sol.

Sacudia os pés na água, seus olhos estavam fixos, disse num tom um tanto baixo que a forma na qual a água corria era maravilhosa, Júlio pareceu não ouvir, veio se aproximando lentamente, abraçou-a pelas costas, Ana Laura soltou um grito pavoroso, um pequeno punhal de prata fora cravado em seu seio.

Aquela fora uma cena pavorosa, a qual causava-me um certo tipo de nostalgia, era angustiante ver os olhinhos de Ana Laura cheios d’água, numa expressão vazia, como a perguntar o que estava acontecendo, sua pele empalidecia aos poucos; Júlio sussurrava aos seus ouvidos que precisava fazer isso, que ela tinha de ser só dele, apenas dele; enquanto fechava os olhos vagarosamente, Ana Laura balbuciava: “Eu te amava... eu sempre te amei.” Um pequeno filete de sangue se misturava as flores de ypê, ao formar uma pequenina poça.

Júlio soltou o corpo já sem vida, toda sua cabeça era um turbilhão de pensamentos; corria e chorava freneticamente, enquanto balbuciava que precisava fazer aquilo, não poderia dividi-la jamais, ela era dele, apenas dele. Àquela altura já estava escalando uma enorme pedra, ao chegar ao topo, bradou: “Eu vou te encontrar Ana Laura, viveremos juntos para sempre... para sempre.” Seu corpo pendia no ar, em pouco tempo se encontrava com a água gelada da cachoeira.

No dia seguinte o corpo de Ana Laura era velado sobre uma enorme pedra às sombras de um grandioso ypê, logo ao lado da cachoeira. Estava pálida, trajava um vestido indiano branco, seus lábios possuíam um sorriso leve e curto que me fascinava, agora eterno. Havia uma chuva de flores de ypê, uma brisa leve nos envolvia, o sol se espreguiçava lentamente. Nós formávamos um grande coral, em sua maioria adolescente e enquanto atirávamos rosas nas águas, cantávamos baixinho:

- “Bye bye” Ana Laura, Ana Laura “bye bye”...

Dos nossos olhos escorriam lágrimas, fora a despedida mais dolorosa que já presenciei.